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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Crônica: As formigas voltaram!

Hoje as formigas retornaram ao meu kitnet. Há muito estavam sumidas.

Ainda não sei porque voltaram, talvez por causa das chuvas e do biscoito de chocolate que deixei cair no chão, localizado por alguma batedora em busca de refúgio.

Fato é que fiquei feliz com a volta delas, ainda mais porque, dessa vez, limitaram-se ao biscoito caído no chão.

Não subiram na mesa em busca de mais chocolate, e nem ferraram meu corpo, como costumavam fazer; o que foi, aliás, o motivo da guerra que culminou com o sumiço delas.

A história começou um ano atrás, quando elas, não contentes com as migalhas caídas no chão, passaram a me usar como escada para subir na mesa em busca do famigerado chocolate, e, na passagem, picavam-me pés e pernas.

Até então éramos amigos, mesmo aliados numa guerra vitoriosa contra as baratas, por isso tentei várias negociações.

Propus-lhe farta provisão de chocolate e outras iguarias, deixadas no chão, para que não me usassem como escada; desconfiaram, sem razão, que as melhores iguarias estavam na mesa e reforçaram as expedições.

Tentei repelente nas minhas pernas para dissuadí-las, passaram a usar as pernas da mesa. Coloquei repelente também nas pernas da mesa; em um ataque de surpresa pelo alto, as pestes vermelhas acharam uma teia de aranha entre a parede e a mesa, decididas a estabelecer uma cabeça-de-ponte naquela zona.

Cortei essas vias de comunicação e relevei a contribuição inesperada das aranhas, convicto da neutralidade delas e de que a infraestrutura aracnídea fora usada sem permissão.

Ainda suportei, pacientemente, alguns ataques à cadeira em frente à televisão. Mas no dia em que me ferraram o saco quando dormia na cama - ah, aí foi demais - finalmente considerei o ato uma declaração de guerra.

Daí mandei às favas a diplomacia. Era o caso de disser que todas as mesas de negociação tinham sido em vão.

E fui pra guerra sans merci, combinando táticas de guerrilha e de guerra convencional.

Primeiro adverti as aranhas que o uso militar de suas teias seria considerado um ato hostil, passível de retaliação. Prudentes, elas se refugiaram no teto, lembrando-se do que acontecera com as baratas, que tinham sumido por completo.

Anulada a possível aliança, implementei a tática da terra arrasada, cortando todos os suprimentos e vias de acesso utilizadas pelas formigas.

Limpei a fundo todo o kitnet e fiz bombardeios maciços e constantes com armas químicas e orgânicas. Ao final de uma semana, vitorioso, conquistei todo o território - as formigas bateram em total retirada, rendendo-se incondicionalmente.

Mas confesso que foi uma vitória de Pirro. O kitnet ficou mais pequeno ainda sem o murmúrio daquelas minúsculas vidas em filas intermináveis entre a mesa e os vãos e frestas da casa.

Restara eu e as aranhas, que percebia macambúzias. Pior foi ao retornar das férias. Minha mãe, aproveitando-se de minha ausência, à frente de uma esquadra, armou uma expedição limpeza ao meu kitnet.

Massacre total. Não restou nada, nem mesmo as aranhas do banheiro, as mais escondidas, a quem, de vez em quando, eu salvava do afogamento na pia e na hora do banho.

À solidão juntou-se o remorso; um silêncio de cemitério, sem o epitáfio dos gregos antigos: "Viveu com paixão? Não havia mais nenhum traço de vida naquele apartamento.

Mas agora elas voltaram!! dispostas à coexistência pacífica. Estou muito feliz, recebo-as com o coração em polvorosa!!

E de quebra, convidaram um grilo seresteiro que canta até o nascer do sol!!

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