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sábado, 29 de janeiro de 2011

Real Classic - uma história revivida

Foto: Adauto Rodrigues (Diário do Pará)

Um prédio de 34 andares da construtora Real Classic, localizado na Travessa 3 de Maio, em Belém-PA, desabou no início da tarde deste sábado, 29/01. Até o presente momento somente foi encontrado o corpo de uma moradora, vizinha ao prédio. Estima-se que de 3 a 5 operários trabalhavam na obra no momento do desmoronamento.

Informações repercutidas por TVs dão como causa do desabamento a passagem de um avião às proximidades do prédio; outra versão aponta um raio como responsável pela queda do edifício. Não demora e aparece alguém acusando um boi voador terrorista como causador do desabamento.

No blog Espaço Aberto, o engenheiro civil e professor da Universidade Federal do Pará (Ufpa), Nagib Charone Filho, dá como plausível a versão do raio e considera "precipitado, neste momento, afirmar-se que o desmoronamento teria sido decorrente de problemas nos alicerces". Se o alicerce não estava comprometido deve ter sido a pomba do Espírito Santo que causou a implosão.

Não sou engenheiro, mas estou convicto que aviões só derrubam edificios quando usados como mísseis e raios somente implodem os edifícios construídos pela teoria estapafúrdia dos incompetentes. 

Temo que as informações desencontradas façam parte de uma tentativa de se lançar uma cortina de fumaça para encobrir as causas reais da queda do Real Classic, como ocorreu em agosto de 1987, quando o edifício Raimundo Farias desabou, matando dezenas de operários que lá trabalhavam.

A imagem acima, dos escombros do Real Classic, feita por Adauto Rodrigues, reaviva-me as lembranças daquele 13 de agosto de 1987. Fui o primeiro jornalista a chegar lá e a última reportagem fotográfica que fiz pelo Diário do Pará.

Começava meu plantão às 17 horas, quando alguém telefonou para a redação, informando que um edificio na Doca acabara de desabar. Ao chegar no local e ver os escombros pensei que era boato - a quantidade de escombros não condizia com a informação de 12 andares. Pessoas que por ali passavam não se davam conta de que houvera uma tragédia, apesar da poeira fina que baixava, espalhando um cheiro ácido e forte de cimento e concreto.

Ao subir nos escombros me deparei com os primeiros cadáveres. Desfoquei as imagens, não ousava retratar a cena em toda sua crueza. Pessoas começaram a chegar e a cavar, desesperadas, em busca de sobreviventes. Passei a ajudar, esquecendo que estava ali como jornalista. Esse é um dos dilemas que vivemos nas tragédias, mesmo estando acostumados a vivenciá-las no nosso dia a dia.

Achamos somente um sobrevivente em meio aos escombros, mesmo antes da chegada dos bombeiros.  Era  um operário, de nome José, que viria a morrer às cinco horas da manhã do dia seguinte. A capa do Diário do Pará nesse dia foi uma foto de José, dentro do buraco em que se encontrava, com o título "Que viva José".

E José morreu, com ele mais 38 operários, segundo a contagem oficial; na contagem do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil o número chegava a quase 50. A causa provável do desabamento foi a utilização de material de baixa qualidade na construção. O pilar central cedeu, fazendo o prédio afundar literalmente.

Após anos e anos tramitando na justiça, as ações contra os responsáveis pelo edificio prescreveram, à força de recursos e mais recursos, com a conivência de muitos. Ninguém foi punido.

As famílias dos operários não foram indenizadas como deveriam e nem sequer puderam enterrar seus mortos, à exceção de José e de outros cinco, se não me falha a memória, cujos corpos ficaram desfocados em minhas fotos. E o caso foi completamente esquecido.

Em ambos os casos uma semelhança: o efeito de implosão. Vai a história se repetir?

9 comentários:

  1. Herbert,
    Parabéns pela matéria. Hoje não moro mais em Belém,mas lembro-me bem do caso Raimundo Farias. Hoje tive um sentimento muito estranho quando soube por um familiar do ocorrido, lembrei na hora do caso anterior de impunidade que vivemos. Rogo que hoje possamos mediante o uso das tecnologias de informação mobilizar a sociedade para exigirmos justiças. Não interessa que tenhamos um número pequeno, como alegam algumas pessoas. Não interessa quantos são os mortos. O que me indigna é que são histórias destruídas.

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  2. Caro herbert o texto está ótimo, mas corrija os erros de português, e: incoMpetente, imageM,

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  3. Merci anônimo das 10:16, pelas corrreções. É que não consigo me livrar do francês (de imagen, inconpetent) rsrs

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  4. Parabéns pelo texto.Inevitável admirar.Também lembrei do episódio do Raimundo Farias e embora na época ainda não estivesse em redações, me coloquei na pele dos jornalistas que vivenciaram aquilo tudo,com a responsabilidade de ainda fazer bem o seu trabalho e me perguntava "Será que eu conseguiria ser profissional o suficiente pra não deixar a comoção guiar meu trabalho?". Apesar das dúvidas,foi vendo o desempenho de alguns coleguinhas na cobertura daquela tragédia que eu tive certeza de que essa era a minha profissão e que eu aprenderia a lidar com os dilemas do nosso dia a dia, pois isso seria sempre necessário.

    Em tempo: Juro que não sou o anônimo das 10:16 apesar da minha fissura pelo bom português,essa minha língua selvagem e bárbara.

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  5. Meus agradecimentos a todos pelos elogios.

    Sempre com a esperança que justiça seja feita!

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  6. Herbert, me lembro bem de você ter me contado essa história quando estive aí em Belém e da sensação de absurdo que senti em relação ao seu relato de descaso das autoridades com a imprudência da construtora. É um absurdo a história se reptir e estarmos convíctos de que nada mais uma vez acontecerá com os responsáveis, sejam eles aviões, raios, bois voadores, ou a empresa construtora... Triste...

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  7. nossa herbet, é desolador tanta injustiça
    parabesn pelo texo

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  8. Bom dia!!!
    Como não lembrar aquela tragédia de 87, já que minha família foi uma delas.Pois minha mãe uma pessoa muito simples teve que se desdobrar para criar além de mim filha do seu primeiro casamento,também seus filhos de José Reis, operário vitimado no edifício. Deram uma miséria de uma pensão de um salário mínimo, onde tinha que fazer milagres para sustentar na época eu com 14 anos, e os filhos que ficaram órfãos com idades: 8 anos. 6 anos e uma bela menina de 2 anos. Todos orfãos, em 1997 minha mães morreu, sem ter visto a cor da indenização e os culpados punidos. Será que nesse país justiça é só p quem tem dinheiro?????????

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  9. Elisa, boa noite,

    Seu pai foi vítima de uma das maiores tragédias da história da construção civil brasileira. Em comum entre elas, a ganância e negligência patronal, a conivência da justiça, e o silêncio sepucral da grande imprensa.

    Como protagonista da tragédia do Raimundo Farias, você conhece melhor que ninguém os desdobramentos dessa história. Sentiu na pele a justiça que defende os interesses dos ricos, a que destina a prisão aos ladrões de galinha e garante a impunidade dos que enterram vidas no desespero, matando até a última esperança.

    Karl Marx já alertava, no séc. 19 (em O 18 Brumário), que a história se repete, a primeira vez como tragédia e depois como farsa.

    Não podemos permitir agora que a história se repita como uma farsa insultante e afrontosa aos que, como seu pai, construíram e constróem as riquezas no mundo inteiro.

    Por seu pai, e por todos os Josés soterrados pela ganância dos patrões e relegados ao abandono pelo Poder Público, devemos exigir Justiça.

    Não deixe de protestar, denunciar; escreva para todos os blogs; grite em todos os espaços que encontrar abertos.

    Creio que na internet começa a se formar uma rede para não deixar impune os responsáveis pelo Real Classic. E você pode ter um papel importante nisso.

    Gostaria de conhecé-la. Em seu pefil do Blogger não encontrei seu email. Mande-me, por favor.

    Abraços, Herbert


    É preciso o grito,
    a loucura,
    qualquer coisa.
    Menos este silêncio mortal,
    este silêncio de gelo.

    (Gorki)

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