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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Aeromoça

No avião, a tantos mil pés de altitude, descubro que existo porque vôo. Minha cabeça, ou melhor, o meu cérebro, é extensão do corpo do avião que plana sobre nuvens inconsistentes.

A força que me liga ao assento, sei, é a mesma que liga meu cérebro-corpo-avião à Terra: a gravidade. Daí veio a descoberta, conseqüência da primeira: sou dependente da mecânica do vôo.

E é assim que, contido nesse universo newtoniano, descubro a aeromoça, como num sonho metalingüístico.

Fantasma a assombrar os corredores? Átomos se recombinando? Ou anjo cujas asas lhe pregaram no peito?

Na paisagem interior do avião, a aeromoça é um mistério que conforta os medos, dissipa as inseguranças. É a realidade tangível do mito, superior a toda e qualquer mecânica. A aeromoça confunde-se com o avião, assim como este se confunde com as nuvens e os sonhos.

Afora os ansiosos que, por razões diversas de partidas e chegadas, e os morbidamente ligados à terra por alguma fobia ou trauma, muitos dormimos durante a viagem, crentes que um anjo nos vela.

Se é a aeromoça que fala nos interfones, mesmo que seja num francês sofrível, ou num inglês incompreensível, nos acalmamos, mas se é o comandante ou o co-piloto ficamos tensos à espera do pior; uma mensagem do tipo: Senhoras e senhores, lamentamos informar que um míssil vem em nossa direção. Por favor, apertem seus cintos de segurança e prestem atenção no aviso de não fumar. Em caso de aterrisagem forçada, nossas comissárias de bordo (outro nome que inventaram para as aeromoças) lhes mostrarão as saídas de emergência.

E aí temos a certeza - as aeromoças são anjos salvadores!

Talvez seja por isso que as cabines dos aviões, habitáculo dos comandantes, estejam sempre fechadas, herméticas a toda curiosidade dos passageiros. Elas, as cabines, fazem parte do estágio do sono em que não sonhamos, em que despertamos ao mais leve solavanco causado pela turbulência do vôo.

Ver o comandante desfilando pelos corredores do avião nos assusta, tal a visão de uma mula-sem-cabeça. A sua presença nos remete à idéia de dependência à maquina, aos temores do desafio do risco calculado, à projeção da fragilidade de nossas inteligências diante de forças além de nossas vontades.

E também, talvez, seja por isso que só nos lembramos do comandante quando chegamos sãos e salvos ao nosso destino, e até chegamos a aplaudi-lo.

Mas a aeromoça, ah, a aeromoça é aventura, sobrevôo de paises e cidades distantes que nunca conheceremos...

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