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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Crônica de uma morte anunciada

Em junho deste ano antecipei no meu Twitter a recrudescência dos conflitos agrários nas microrregiões do Acará e do Guamá,  em consequência da expansão do  Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) na região do nordete paraense, cujos investimentos, já em curso, ultrapassam a casa do bilhão.

Naquele momento eu escrevi que os movimentos sociais do campo, que reivindicam a reforma agrária em terras situadas nas regiões pólos do programa, já sentiam a nova correlação de forças estabelecida pela procura de terras para a produção do agrocombustivel.

Era previsível que o latifúndio desse uma demonstração de força nesse novo Eldorado, para garantir a especulação de terras e o acesso fácil a financiamentos milionários. O assassinato do trabalhador rural e militante do MST, José Valmeristo Soares, o Caribé, ocorrido na sexta-feira (03/04), é uma mensagem clara aos movimentos rurais que lutam por reforma agrária.

E fazê-lo no período eleitoral, justamente na fazenda Cambará, situada em uma gleba federal localizada em um dos municípios pólos do programa do biodiesel - Santa Luzia do Pará, microrregião do Guamá - foi uma prova de ousadia, ou de burrice; ou ambas as coisas. A história a seguir nos dirá.


Quitino Lira, morto em 1985
Foi na Fazenda Cambará, segundo o MST, que o lendário justiceiro ou gatilheiro Quintino Lira iniciou sua luta em defesa dos trabalhadores rurais e contra os latifundiários do estado.

Quintino foi assassinado em 1985 pela Polícia Militar do Pará, na gleba federal Cidapar, no município de Viseu, a mando de fazendeiros e políticos da época, que viam na resistência armada dos trabalhadores rurais uma grande ameaça a seus interesses.

A luta encabeçada por Quintino teve como consequência a desapropriação da fazenda Cidapar, pelo Incra, seguida da criação do maior projeto de assentamento da América Latina.

A sua memória ainda está bem viva na região, conforme constatei durante viagem pelo município de Viseu, em junho deste ano. É isso que o latifúndio também pretende apagar.

As semelhanças entre os dois acontecimentos fazem parte de uma história trágica que se repete no Pará e no Brasil. Ambos as mortes, a tiros em emboscadas a mando do latifúndio, foram precedidas de denúncias das vítimas e omissões dos órgãos estaduais e federais envolvidos na questão agrária.

A diferença fundamental entre os dois fatos está na forma de luta. Quintino liderava uma resistência armada, enquanto Caribé fazia parte de um movimento que usa como principal arma a organização das famílias sem terra para reivindicar do Estado a reforma agrária, combinando a ocupação de terras griladas com formas legais de atuação. É o caso da gleba Pau de Remo.

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